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Saturday, January 26, 2008

Filosofias em uma locadora - Parte 02.

Faça o que fizer, não trabalhe com o público. Pense no custo-benefício e se você estiver lucrando pelo menos 300% do que gasta com psiquiatras, é válido. Hoje tive um daqueles momentos em que dá vontade de procurar uma terapia em grupo ou meter um soco na cara do cliente.
Eis que eu estava lá sentada no meu posto durante toda a manhã sem muito o que fazer. De manhã, pelo vasto movimento no comércio (em especial num sábado de manhã) eu me limito a mudar de posição na cadeira, trocar os filmes que estão passando, ler mais páginas do livro Prenda-me Se For Capaz e visitar o pessoal da padaria ao lado constantemente. A cada uma hora em média, um cliente se dá ao prazer de visitar a loja, perambula por 30 minutos entre as prateleiras e escolhe um, quando não zero. Hoje era mais um dia daqueles... até às três horas da tarde.
Faltavam mais sessenta minutos e eu diria adeus ao uniforme de novo, chegaria em casa e me prontificaria a fabricar mais enroladinhos de salsicha em massa. Nos últimos minutos, é minha obrigação conferir o caixa (isto é, todos os cartões, moedas e notas), ver se bate com o valor que está no sistema, registrar por escrito e lançar no malote do dia; coisa simples e executada sempre em menos de 5 minutos. Quando o relógio marcou 3h30 eu comecei meu ritual de checagem. Tinha um cliente rondando a loja e uma menininha brincando na sessão infantil então pensei que seria moleza fechar o caixa naquele dia. Às vezes é brabo porque no meio do fechamento aparece algum cliente nojentinho que resolve que quer porque quer pagar na retirada, daí entra mais dinheiro no caixa e eu tenho que reiniciar toda a contagem. Comecei.
Sabe na Espanha quando eles soltam uma dezena de bois em cima das pessoas na rua estreita? É, foi mais ou menos assim nos últimos trinta minutos antes das quatro horas. Foi assustador. Acho que nunca tinha visto mais clientes no meu turno em toda a minha estadia de Loka Video: tinham uns 10, em grupos, com crianças chorando e esperneando querendo filmes e bagunçando a loja inteira. Se uma invasão virulenta em cima de um pobre anticorpo solitário como eu não fosse o bastante, daí chegou o cliente engraçadinho.
Tem todo o tipo de clientes para serem atendidos quando se trabalha no comércio. Tem o metido, o riquinho, o simpático, o erudito, o pseudo-intelectual, o bola-cheia, o VIP e o amigão. Contudo o tipinho mais insuportável, na minha opinião, é o engraçadinho. O Engraçadinho, aqui a ser designado como CEn, acha que suas piadinhas infames farão o dia da galera dentro da loja. Já entra dando uma de palhaço, alô alô criançada, o ______ (insira aqui algum tipo de apelido bizarro, nome modificado ou alcunha pública) chegou!. O CEn usa palavras como "gracinha", "queridinha", "minha linda" ou outros adjetivos tão diminutivos quanto quando se referir a você, atendente. Na locadora, o CEn geralmente acha que tem privilégios que nenhum outro ser na Terra tem, jogando seus filmes para devolução no balcão sem dar a mínima para a fila gigantesca.
Foi isso que o babaca fez quando entrou hoje. Ele e a filha, uma patizona metida a celebridade internacional, entraram e, sem nenhuma vergonha, botaram os filmes no balcão ao lado, ignorando a fila na minha frente, e ali ficaram, esperando o atendimento. Acontece que a fila não paráva de aumentar e eu não tinha tempo nem cabeça para ficar analisando quem tinha chegado antes. Então gravei mentalmente os bonitinhos encostados no balcão e continuei atendendo o pessoal. Quando a fila estava chegando ao final, o que significava que eles seriam os próximos, o CEn perdeu a paciência e falou, em um tom bem mais alto do que o usado por pessoas mentalmente sãs, "olha aqui, minha linda, os filmes pra devolução tá, e o dinheiro! Toma conta aí!" e tacou uma nota de vinte em cima deles. Eu parei, olhei para ele e para os filmes e voltei a atenção ao rapaz na minha frente que estourou numa risada alta. "Espero que eu ganhe uma gorgeta, pelo menos", eu brinquei com ele.
A fila continuou crescendo. De cada cliente que eu atendia, nasciam mais dois logo atrás ou alguém pedindo informação sobre algum filme e onde ele estava na loja. Todos eles muito simpáticos e compreensivos quanto a minha relação de amor-ódio com a impressora (que simplesmente não imprime se não a enchermos de porradinhas na lateral). Os filmes do CEn simplesmente ficaram ali, com a grana, e eu não estava nem aí. Ele e a filha estavam sondando a loja, escolhendo filmes. Eu estava atendendo um grupo de meninas quando eles voltaram portando dois filmes. Notei que eles tinha trazido a caixinha original dos filmes e na loja nós locamos as de trás, brancas com a logomarca da loja. É um saco ter que sair do balcão para buscar filme por filme quando o cliente traz todas as caixinhas originais (e mais ainda tendo que informar quando o filme está alugado), então avisei logo a eles enquanto atendia as meninas que os filmes que deviam ser locados eram os de trás, na caixinha branca, pois aí eles teriam tempo de buscar as certas enquanto eu as atendia.
O CEn olhou pra mim e disse "queridinha, eu estou devolvendo os filmes, não locando". Eu respondi com a voz mais calma que eu pude arranjar "o senhor está devolvendo estes (apontei os outros)... e esses que vocês pegaram?". Ele parou "vamos alugar". "Pois é. É a caixinha de trás". A lindona atriz da Globo filha dele saiu em busca dos filmes nas prateleiras e voltou abanando no ar a caixinha de Piratas do Caribe 3. "Esse aqui não tem nenhuma atrás dele moça!". "Então é porque estão locados.". "Todos?!". Eu me controlei para não dizer obviamente, ô imbecil, "Todos.".
"Ah pai, todos estão locados!" voz de rato de laboratório com um abacaxi enfiado no cu. "É filha, aqui é assim mesmo." e eu continuava atendendo as meninas. Quando elas já estavam assinando o papel da retirada, o CEn veio com mais uma e perguntou, ou melhor, GRITOU como se estivéssemos em duas extremidades de um campo de futebol: "vocês tem filmes pornôs aqui?!" e ele enfatizou a palavra pornôs como se fosse o ápice de uma ópera. As mocinhas na minha frente se entreolharam e eu respondi "não senhor". No mesmo tom e volume de voz, ele continuou, abraçado à filha e na frente de outros cinco clientes: "que tipo de locadora é essa que não tem filmes pornôs hein?! Hahaha, aqui a gente ainda tem que ir por trás, caixinha de trás e não sei o que, mas não tem filme pornô?! Hahaha!". Ele não percebeu que ele estava rindo sozinho. Liberei logo as meninas para sairem dali antes que aquele maníaco tentasse alguma coisa mais surreal e resolvi que, quanto mais cedo eu os atendesse, mais rápido eles estariam longe da loja. Perguntei o número do telefone e o nome dele, como de praxe, e na hora de falar o nome dele - que era Alexandre - ele disse "Aleksander" rindo. Resolvi entrar na brincadeira e respondi séria "sinto muito, não tem esse nome nessa conta e então não posso liberar a locação, senhor" e ele resolveu parar de tentar ser engraçado e disse o nome corretamente.
Despachei o indivíduo o mais rápido possível, joguei os filmes na mão dele e falei "PRÓXIMO" quando eles falaram "obrigado, tchau!". Eu estava tremendo de raiva, de verdade, provavelmente tratei mal e porcamente os outros clientes depois dele sem querer porque fiquei muito, muito nervosa. Quando o Thiago chegou, eu praticamente saltei correndo pra fora do balcão. Pra mim, por hoje, já deu de clientela safada.

Outro dia eu faço um post sobre os tipos de clientes numa locadora.

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